sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

3001 (parte 2 de 2)


Resumi à minha maneira no post anterior estes livros da quadrilogia da Odisséia no Espaço para dar uma idéia do contexto a quem não está habituado com o tema, e para fazer algum sentido no que vou dizer.

Primeiro é preciso lembrar que a Odisséia foi escrita ao longo de TRINTA anos! Uma proeza fascinante, porque muita informação e tecnologia e rumo da história surgiu e mudou durante esse tempo, e ainda assim a obra mantém um fio condutor e uma coerência lógica que requer toda grande criação de romance de ficção científica. Por exemplo, eu li em 2011 um livro de 1996 que muito bem poderia ter sido escrito e lançado no ano passado... Foi só pensando nisto e se atentando à antiguidade dessas datas é que se dá conta da grandiosidade e mérito da obra, que parece nunca ficar obsoleta.

A idéia do monolito em si é muito interessante. Ele funcionaria como um artefato alienígena deixado como um recado para o Homem decifrar na medida que tenha condições, capacidade e competência para isto. Fica a dúvida se ele seria também um agente da evolução da inteligência ou apenas um monitor remoto. Seria um objeto presente? Um monumento passado? Ou uma entidade, estereótipo do que um dia a humanidade se tornará? Mesmo com as explicações truncadas e veladas, entregues e pulverizadas em todos os livros/filmes, esta questão não fica bem resolvida... Ainda bem! Este é o principal mérito da estória.

Arthur Clarke escreve bem. Pelo menos nesta série, usa do recurso de dar saltos entre os capítulos que se seguem, mudando com maestria de cena e tempo e personagens, como se fossem cortes de câmera e foco, sem no entanto deixar frouxo o fio que conduz a estória e seus atores. Em '2010' isto é feito brilhantemente, valorizando a trama do livro, na minha opinião.

Por outro lado, a não continuidade no fluxo da narrativa dá margem a lacunas e possíveis falhas de enredo ou contexto. Nisto, ficam muitas coisas sem explicação - se isto é intencional; mérito dele; se não, pior pra nós.

Por exemplo, admitindo o golpe de sorte do astronauta, morto e largado no espaço. ter entrado em órbita longa ao redor do Sol e ter voltado como um bumerangue intacto e ainda ter sido localizado (como base de sustentação da condução do livro), ele não explica COMO teriam recuperado sem danos irreparáveis um defunto de mais de mil anos, sem que este não estivesse necrosado pelo frio absoluto do vácuo espacial, torrado pela reação do aquecimento solar sem proteção atmosférica, ou contaminado e alterado pelas contínuas variações cósmica sofridas no espaço aberto por tanto tempo. Daí, fiquei o tempo todo pensando em como um outsider (pária, parasita) daquela sociedade futurística gozasse de tantos privilégios sem custo algum ou retaliações (para ele), mesmo com tanto handicap (deficiência) para os "iguais" daquela época.

Outro exemplo foi a idéia do colapso de Júpiter produzir um outro sol, que segue orbitando o nosso Sol. A Terra passaria a ter um "sol duplo" e raríssimas noites escuras. Até aí, tudo é plausível e possível. Mas a forma como se dá, doce e suavemente, sem que um evento cosmológico de tal envergadura nem sequer altere as órbitas ou afete severamente os planetas e luas próximas, isto é algo um tanto improvável, e que quase todos os leitores se negam a pensar, refletir ou questionar (pois estragaria a estória).

Deixando estas questões de lado, como é que ninguém outro antes, passados quase mil anos, tentou desafiar a "ordem" alheia (estranha e alienígena) e pousar em Europa ou mesmo tocar e examinar o tal monolitão de perto? Foi preciso ressuscitar um fóssil humano para somente então alguém voltar a agir como humano em 1000 anos?! Isto me soou muito artificial, antinatural e inumano... Acaba revelando que a intenção de reviver Frank foi apenas servir de ponte para trazer a conexão entre os 3 personagens do primeiro livro, e de quebra serviu como pivô para exercitar ensaios dos possíveis avanços na ciência e medicina que nos aguardam, e que ocupam três quartos deste livro.

Quase no fim de vários devaneios ambientado num desejável mundo futuro da humanidade, Frank da uma de moleque atrevido e burla sem nenhuma dificuldade o milenar esquema espacial da época, e desce no "planeta proíbido" para bater um papinho com seu ex-colega astronauta da aventura inacabada. Tudo fica bem, e o homem que virou não-sei-o-quê (circuito? máquina? espectro? apenas memória com vontade própria de um hiper-ultra-super dispositivo de computador sideral? próximo passo evolutivo da existência humana mas capacho dos criadores do monolito e que o permitiram atingir esse estágio tão rapidamente?), revela que durante a transformação de Júpiter em Lúcifer os criadores do monolito decidiram exterminar todas as criaturas vivas e interagentes do planetão por julgar que não eram inteligentes. E tudo fica por isto mesmo. Frank volta a ter a vidinha pacata, moderna e confortável dele, com mais de (mil e) cem anos idade e tem e cria filhos, vira diretor conselheiro de assuntos Europanos, e assim segue até que...

O autor quis introduzir uma pitada de emoção, suspense e drama na trama que já seguia mormenta e previsível. Faz o fantasma de Bowman+Hal entregar a Poole uma gravação que, entende-se, continha uma revelação ameaçadora que "HALman" teria interceptado POR ACASO (será?!). O problema é que ele segue até o fim do livro SEM transcrever, reproduzir ou sequer resumir aos leitores que raio de mensagem era aquela! É perfeitamente compreensível manter um certo mistério por algum tempo ou capítulos, para deixar o leitor "entrar" na estória. Porém, neste caso, a mensagem passou a ser O ELEMENTO crucial do enredo...

E ficamos sem poder opinar sobre os desdobramentos dos eventos seguintes e atitudes dos envolvidos, justamente por desconhecer o teor da gravação na sua íntegra ou sumarizada. Resta-nos aceitar apenas a impressão daquilo que Arthur Clarke decidiu que seria razoável. - isto poderia ser chamado de "ditadura literária"? O que é um tanto lamentável, porque foge ao padrão de excelência e riqueza de detalhes que caracteriza a Odisséia.

E tudo termina sob uma espécie de competição de julgamentos precipitados sobre uma raça alheia e sem a menor chance de intermediação ou direito de ouvir e/ou negociar com a outra parte (e vice-versa), ou seja, sem oportunidade à justiça, qualquer que seja ela. No fim, prevalece a ação preventiva sendo mais importante que qualquer demonstração de verdadeira inteligência! O que contradiz, basicamente, o que se diz e dá a entender no meio do livro e ao longo de toda a Odisséia desde '2001'. Triste. Fico com a sensação que A.C.Clarke agiu como se fosse um profeta (ou conselheiro?) para W.G.Bush ao decidir pela invasão ao Iraque como forma preventiva ao terrorismo (ou seria um pensamento inconsciente e generalizado dos norte-americanos?)...

Por fim, uma curiosidade conhecida por muitos. Sempre foi comentado que o home do supercomputador HAL teria sido uma jogada sutil em referência ao gigante dos computadores, a IBM: onde a personagem estaria a passo à frente ( na verdade, uma letra antes, para cada componente na sigla: A B c d e f g H I j k L M ... ). Clarke sempre negou que tenha feito isto intencionalmente. Neste livro '3001', apesar de continuar a negar o plágio, ele admite que vai parar de refutar a idéia da genial coincidência, uma vez que a IBM se sente até homenageada com esse "imbrólho". Ah, vale dizer que H.A.L. viria de Heuristically-programmed Algorithmic Language Computer; e I.B.M. vem de International Business Machines Corporation.

Enfim, é um bom livro, de fácil leitura. Tem pontos falhos, mas eu penso que completa o contexto da obra. Apesar de minhas ressalvas e críticas, parabéns a Arthur Clarke!

Sobre as lacunas de lógica, alguém disse certa vez:
"Uma história, um livro, precisa fazer sentido; a vida, não!"
Ora, se a vida que vivemos aceitamos que seja ilógica, por que exigimos que um livro ou uma estória tenha que ser coerente?



( desenhado por AndreM, na década de 80, toscamente colorizado por computador )

5 comentários:

Jaqueline Köhn disse...

Excelente observação sua, que lógica há em nossas próprias vidas ...

Andre Martin disse...

Hummm...
Parece que:
a) ou ninguém gosta do tema ficção científica
b) ou ninguém gosta de ler crônica crítica de livros
c) ou ninguém gosta de textos loonnngos
d) ou o que escrevi deve estar um lixo, preciso rever e repensar antes de postar

Andre Martin disse...


Jaque:


E não é? Vai entender...
rsrs

Andre Martin disse...


AndreM:


Ah, não liga não. Eu gostei do que eu escrevi, e pronto!

Fica registrado. Algum dia, alguém procurando sobre o assunto pelo google ou outra ferramenta de busca pela internet, possa achar interessante... Até lá, esquece! E siga postando! rsrs

Jaqueline Köhn disse...

Um ponto pra mim, só eu comentei e disse a verdade, que preguiiiiiiça dá de ler isso tudo...hahaha

E diria mais, as alternativas a, b e c estão corretas, a d não sei porque não li ... hahaha

Mas o importante é que vc gostou né?

E opsssssss, mais um ponto, pq comentei de novo ... hahaha

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