O texto a seguir não fui eu quem escreveu, mas me vejo descrito ali.
Trabalho escravo
Faz já um bom tempo que me pergunto se a escravidão um dia foi debelada como a paralisia infantil, o sarampo e outras doenças que acabaram com a vida de muitos brasileiros.
Penso isso nem tanto por conta dos escravos bolivianos das oficinas de costura da capital paulista, ou pelos “bóias-frias” das fazendas, mas muito mais pelos escravos engravatados que circulam pela Av. Paulista e outras avenidas importantes das capitais, que tem projetos a serem entregues com prazos estabelecidos por chefias que negociaram com clientes apressados. Prazos nem sempre condizentes com a realidade, querendo dizer que possivelmente vão ter que estar disponíveis 24h, virar finais de semanas no cliente, não estar em festa de aniversário de filho, passar em brancas nuvens datas importantes para a família e para ele próprio, perder prazos de pagamentos porque a cabeça estava totalmente voltada ao projeto (também esqueceu de colocar as contas em débito automático no banco), não ter direito a horas extras, mas ser cobrado a cumprir a meta, trocar as horas extras por banco de horas, mas só conseguir usufruí-las perto das férias, ser obrigado a “vender” parte das férias para não ficar fora muito tempo porque já está usando o banco de horas e o cliente não pode ficar tanto tempo com o funcionário ausente, não conseguir tirar férias decentes porque o dinheiro já está todo comprometido por conta dos juros que deixou rolar dos pagamentos que deixou de fazer, ficar as ferias inteiras preocupado se quando voltar ainda vai ter o emprego porque, por menos que ganhe é o seu ganha pão e com ele é que paga as dívidas. Qualquer atraso é considerado, mesmo que naquele dia o metrô tenha entrado em greve e tivesse que pegar ônibus supermegalotados, como se já não pegasse esse meio de transporte degradante quase todo dia, trabalhar “em casa” quer dizer, basicamente, estar disponível 24h, mesmo. Planos de saúde são pagos para serem usados, de preferência, nas férias para quando voltar esteja em excelente saúde. Família, nessa altura do campeonato, ou ama, ou odeia. Se ama, compreende e dá apoio incondicional, do contrário, a família passa a ser o cliente/empresa, até o próximo projeto, porque a família “original” já não existe.
Se isso também não é escravidão, então chega bem perto, o que acaba sendo a mesma coisa.
E, se é assim, as empresas estão prestes a receber um golpe duro da Norma Regulamentadora 31, a menos, claro, que isso não seja considerado trabalho escravo, já que o funcionário tem carteira assinada e residência (mesmo que durma na empresa). Está ali de livre e espontânea vontade...
Provavelmente, os únicos profissionais que estão livres dessas agruras escravagistas são os senhores políticos. Dá o que pensar... Porque, afinal, quem não sente na pele a dor da escravidão são os senhores dos escravos. Até mesmo quem não é senhor de escravos dá um duro danado para não cair na escravidão, o que o torna escravo de si mesmo, trabalhando de sol a sol.
Dá o que pensar..."
Por Mirian Bueno Martin
Bônus:
Dois artigos a respeito, publicados no jornal A Folha de S.Paulo em 04/Junho/2012 (abaixo reproduzidos):
Senzala debaixo do tapete
http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/06/carlos-bezerra-jr-senzala-debaixo-do.html
O guarda da esquina
http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/06/homero-pereira-o-guarda-da-esquina.html
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Senzala debaixo do tapete
( por Carlos Bezerra JR )
A escravidão segue mais viva e lucrativa em nosso país do que o mais ambicioso senhor de engenho poderia imaginar, no campo ou no centro de SP
"Dormíamos no chão e, às vezes, de luz acesa, para afastar os insetos. O banho era frio, e a roupa era lavada em baldes, sem sabão. Café e leite cheiravam a querosene e gasolina. Crises intestinais eram comuns entre os trabalhadores. Havia ameaças de morte."
Há uma violência latente sustentando obras públicas, empreiteiras importantes, grandes grifes e gigantes do agronegócio. A declaração acima é prova dessa exploração.
O relato foi construído com depoimentos de homens escravizados em empreendimento do programa federal Minha Casa, Minha Vida, em São José do Rio Pardo (SP). O caso, infelizmente, não é isolado. Por trás da propaganda do "novo" Brasil, há milhões de escravos.
A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do trabalho escravo, na Câmara Federal, permitindo confisco de terras de escravagistas, é uma vitória. Relatórios do Ministério do Trabalho e Emprego, dos quais a descrição acima foi retirada, comprovam, porém, que esse crime não está apenas na zona rural, mas também nas metrópoles.
Só no Estado de São Paulo, foram centenas de casos no último ano. E, pasme, isso acontece graças à omissão de alguns parlamentares.
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa convocou a marca de roupas Zara e a Racional Engenharia para dar explicações. A primeira, sobre exploração de bolivianos; a outra, sobre condições humilhantes de trabalho. Elas são acusadas de crimes em rincões do país? Não. Em oficinas de costura no centro de São Paulo e em obra no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na avenida Paulista.
Se o trabalho escravo visa ao lucro, para combatê-lo é preciso gerar prejuízo a quem o pratica.
Por isso, apresentei um projeto que cassa o registro de ICMS da empresa que usar dessa exploração em sua cadeia produtiva e impede os seus sócios de exercerem atividade comercial por dez anos. Assim como não toleramos mais políticos "fichas sujas", não aceitamos mais ver só lindos anúncios publicitários. Queremos transparência, de fornecedores a modos de produção.
No Senado, a aprovação da PEC pode esbarrar outra vez nos ruralistas, que querem rever o conceito desse crime, ainda que relatório da ONU para Formas Contemporâneas de Escravidão confirme o artigo 149 do Código Penal: trabalho escravo é "trabalho forçado, jornada exaustiva, (...) condições degradantes e restrição (...) da locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto".
Em São Paulo, propus uma CPI. Mas, mesmo com dez assinaturas além do exigido, os trabalhos não começaram. O regimento, arcaico como o Brasil Colônia, só permite cinco comissões simultâneas, número já atingido. A falta de vontade política é exasperante. Inevitável questionar quais os interesses de quem adia o combate ao trabalho escravo.
No meio da omissão, vítimas se multiplicam. A mais nova denúncia remete de novo ao Minha Casa, Minha Vida, agora em Fernandópolis (SP). Um homem morreu devido à carga de trabalho desumana.
Se nada for feito, acontecerão mais mortes, porque há trabalho escravo no megaempreendimento imobiliário, na roupa que vestimos e até no inofensivo chocolate que comemos. São 27 milhões de escravos no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Se é verdade que troncos, correntes e pelourinhos viraram história Brasil afora, também é fato que a exploração a que remetem segue mais viva e lucrativa em nosso país do que o mais ambicioso senhor de engenho nunca imaginara.
Não há nada de inocente no atraso de tantas votações importantes. Sinceramente, quem tem medo do combate ao trabalho escravo na certa também lucra com essa violência.
CARLOS BEZERRA JR., 44, médico, é deputado estadual, líder do PSDB na Assembleia Legislativa de SP e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos
Folha de S.Paulo, 04/06/2012
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O guarda da esquina
( por Homero Pereira )
Uma definição arbitrária de trabalho escravo fará fiscais punirem prazerosamente quem e quando quiserem, até com expropriação de terras
Para escrever este artigo, busquei inspiração num fato histórico de triste lembrança: o famigerado AI-5, imposto à nação por Costa e Silva.
Em 13 de dezembro de 1968, no Palácio do Planalto, a única voz discordante daquela atrocidade foi a do vice-presidente Pedro Aleixo. "Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina."
Infelizmente, a preocupação do político mineiro não impediu que aquele ato fosse assinado. A partir dele, todo o país passou a assistir às injustiças e aos crimes cometidos pelos guardas da esquina.
Pois é, assim como o corajoso Pedro Aleixo, nosso temor com essa Proposta de Emenda Constitucional 438, a PEC do trabalho escravo, é a sua total subjetividade e falta de clareza, deixando sua aplicação ao livre arbítrio não do guarda da esquina, mas dos fiscais ou auditores do Ministério do Trabalho.
Eles, a torto e a direito, saem país adentro com a temida Norma Regulamentadora (NR) 31, com seus 252 itens, elaborada por eles mesmos, a punir prazerosamente qualquer empregador que não observar as incongruências nela contida.
São incontáveis os absurdos da NR 31. Ela prevê, por exemplo, a expropriação do imóvel em construção.
O pretendente comprador perde tudo o que desembolsou se o fiscal entender que houve trabalho análogo ao de escravo.
Outra aberração é sobre o transporte dos trabalhadores rurais. No percurso do alojamento até as lavouras, todos os operários devem viajar sentados. Se, por qualquer razão, o fiscal encontrar um trabalhador em pé, isso é trabalho análogo ao de escravo. O proprietário é multado. A fazenda, passível de expropriação.
Esse procedimento não se verifica no transporte urbano. Seriam dois pesos e duas medidas?
A definição de trabalho escravo e degradante é tão genérica, inconsistente e arbitrária que qualquer empregador, urbano ou rural, pode ser multado ou punido ou ter sua propriedade ou indústria expropriada se assim entenderem os fiscais do trabalho. Se a NR 31 fosse cumprida à risca, todos os shoppings seriam fechados no país. Ela exige que para cada 40 empregados a unidade comercial tenha um banheiro próprio. Não se conhece uma loja sequer desses shoppings que tenha no seu interior instalação sanitária.
Esse tema é tão complexo e instigante que o próprio presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Oreste Dalazen, cobrou recentemente mais clareza da legislação que trata do trabalho escravo ou análogo. Segundo ele, os termos "jornada exaustiva" e "condições degradantes de trabalho" do artigo 149 do Código Penal são genéricos e dificultam a identificação dos locais onde há trabalho em "condições análogas às de escravo".
Por razões como essas, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), formada por mais de 200 deputados e senadores, decidiu questionar a PEC 438, acolhendo apelos não só do setor produtivo rural como também da indústria e do comércio.
Nenhum de nós é a favor do trabalho escravo. Nós abominamos essa deplorável situação. Aliás, ninguém em sã consciência pode ser a favor do trabalho escravo. Somos, sim, contra a insegurança jurídica e a subjetividade que tanta inquietação vem trazendo aos empregadores rurais e urbanos.
Por isso, defendemos uma legislação que defina de uma vez por todas trabalho degradante ou análogo ao trabalho escravo.
HOMERO PEREIRA, 57, é deputado federal pelo PSD-MT. É o novo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária
Folha de S.Paulo, 04/06/2012
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Eu ainda gosto dos blogs
Há 2 meses
3 comentários:
Oi, André. Muito oportuno o texto. Eu acho que o que mudou foi a mercadoria. A força de trabalho é vendida livremente mas o seu uso continua sendo uma exclusividade do comprador da mão de obra, seja um peão que bate cartão ou um alto executivo, cujo cartão de ponto é um celular corporativo (pior do que o relógio de ponto). Minha filha foi promovida há pouco tempo na empresa onde trabalha e a primeira coisa que ela ganhou foi um notebook e um celular que é "obrigada" a levar onde quer que vá e deixarem-nos ligados 24 hs. Abraços. paz e bem.
...Pra que?
Era uma vez um homem muito
rico que resolveu viajar e
então pegou seu iate e
saiu pelo mundo.
Certo dia, chegou a uma ilha maravilhosa, cheia de riachos,
de água cristalina e cachoeiras.
Tinha também muitos tipos de árvores frutíferas e
muito peixe.
O homem rico começou a andar
pela ilha e encontrou um
caboclo deitado numa rede,
olhando para aquele
mar muito azul.
Chegou bem perto do caboclo
e puxou conversa:
- Muito bonito tudo por aqui...
- É...disse o caboclo, sem
tirar os olhos daquele mar.
- Tem muito peixe nesse mar?
- É só jogar a rede e pega
quantos quiser.
- Por que você não
pesca bastante?
- Para quê?
- Ora, você pega um montão
de peixes e vende.
- Para quê?
- Com o dinheiro destes peixes, você compra uma canoa maior,
vai mais no fundo e pega
mais peixe ainda.
- Para quê?
- Com o dinheiro você compra
mais um barco, pega mais
peixe e ganha mais
dinheiro.
- Para quê?
- Você vai juntando, cada
vez mais dinheiro, compra
cada vez mais barcos,
até chegar uma dia em
que você terá
uma indústria
de pesca.
- Para quê?
- Ora, meu amigo, você então
será um homem poderoso, um
homem rico, terá tudo que
quiser, tudo o que sonhar,
poderá comprar um iate
como o meu, poderá
comprar uma ilha como esta
e então ficar o resto da vida
descansando, sem preocupações.
- Uai...E o que é que eu
estou fazendo agora?
Que mundo estamos a deixar que construam para nós?!
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