Cabeza de Vaca – Para a América do Sul
Pelos desertos norte-americanos que perambulou,
Álvar Nuñes Cabeza de Vaca ouviu lendas de cidades douradas, e estes relatos ficaram famosos e atiçou a cobiça de outros tantos aventureiros. Ele mesmo pretendia regressar como "Adiantado" da Flórida, uma espécie de governador explorador das novas terras.
No caminho de volta ao velho mundo, o navio em que vinha foi salvo de piratas franceses por uma frota portuguesa que regressava da América do Sul.
Numa escala nas Ilhas de Açores, encontrou com Gonzalo de Acosta, um português que lhe trouxe novidades e histórias da América do Sul. Ficou assim sabendo que essa frota trazia de volta para a Espanha o primeiro Governador do Rio da Prata, Dom Pedro de Mendonza, que tinha abandonado o povoado de Buenos Aires adoentado (com sífilis) e que morreu pelo caminho antes dali chegar. E lá, o poder foi tomado na marra pelo truculento Domingo de Irala e seus homens.
Também ouviu a respeito dos relatos consistentes das várias tribos Guarani sobre um tal Rei Branco e sua Montanha de Prata, no interior da América do Sul, no sertão a noroeste, e de algumas expedições na tentativa de sua localização. Tanto que o Rio Solis (nome de um dos primeiros exploradores da região) passou a ser chamado de Rio de la Plata.
Enquanto Cabeza de Vaca estava na Espanha, frustrou-se quando soube que no início daquele ano de 1537 já haviam nomeado o Governador da Flórida, posto que almejava. Escreveu o livro Naufrágios em que narra sua extraordinária aventura pelo continente norte-americano, e tornou-se conhecido na Espanha.
Aproveitando-se do status nobre de sua família, sua fama (pelos relatos) e de sua vivência com os indígenas, convenceu o Conselho das Índias (mediante financimento da expedição e contrato de participação nos lucros) que ele era a pessoa certa a ser nomeado segundo
Adelantado del Rio de la Plata, uma espécie de Vice-Rey da Argentina, Uruguai, Paraguai e grande parte do que é o interior do Brasil (do Rio Grande do Sul ao Mato Grosso!).
E para cá veio com sua comitiva em 1541 para assumir o cargo e disposto a empregar a primeira política de convivência harmônica e pacífica com os índios da região. Era uma nova fase em sua vida, mais madura e política, com a proposta de tirar proveito do respeito aos nativos, que sua experiência anterior mostrara ser possível e muito mais humana.
Cabeza de Vaca fez uma escala na Ilha de Santa Catarina (onde hoje fica a cidade Florianópolis), para abastecer seu navio numa pequena aldeia portuguesa que lá havia, antes de prosseguir até Buenos Aires. Foi na verdade uma looonga escala de 6 meses, esperando melhores ventos, clima e correntezas a favor, onde aproveitou para conhecer os índios Carijó da região e várias tribos Guarani, ouvindo suas histórias e aprendendo seus costumes a respeitar e seu idioma.
Nesse tempo também recebeu a notícia, por alguns sobreviventes fugidos por maus tratos de Domingo de Irala, de que o povoado de Buenos Aires tinha sido arrasado pelos vizinhos índios Querandi e que Irala, seus homens e outros sobreviventes tinham se refugiado em Ascensión (hoje Assunção, capital do Paraguai).
Então decidiu mudar a estratégia: em vez de seguir de caravela por mar e depois subir o Rio da Prata até Assunção, resolveu ir por terra (e a pé) com toda sua comitiva, atravessando todo o estado do Paraná, trajeto que levou 5 meses. Eu particularmente acho que o objetivo dele NÃO era mais confrontar Domingo de Irala... mas arrebanhar aliados nativos, e quem sabe, com sorte, descobrir e explorar a riqueza prateada.
Dizem que para essa travessia, Cabeza de Vaca se utilizou de um caminho hoje lendário, uma rede viária chamada
Peabiru e que os Jesuítas chamavam de O Caminho de São Tomé (por causa do Pay Sumé, entidade mitológica indígena, branco de barbas longas, que os ensinou várias coisas, entre elas a agricultura, andava sobre as águas e por onde pisava não nascia mato).
Relatos contam que era uma estrada de uns 2 metros constantes de largura, dizem que pavimentada, senão bem demarcada, com vegetação rasteira e de altura constante nas bordas, que seguia do litoral para o interior. Foi muito utilizada depois pelos bandeirantes paulistas para prear (=caçar e apreender para escravidão) índios Guarani das Missões do Guaíra. Atualmente poucos vestígios incertos existem dela, perdida pelos avanços predatórios da civilização. Mas parece que na época de Cabeza de Vaca estava bem conservada e era bem conhecida.
Por este caminho, que possuia ramificações para São Vicente, Cananéia e Santa Catarina, Aleixo Garcia, partindo da Ilha de Santa Catarina em 1524, se embrenhou com grupo de índios em expedição e chegou até Potosi na Cordilheira dos Andes. Retornou, mas foi emboscado e morto no Paraguai por outros índios; porém, conseguiu enviar mensageiros de volta à ilha levando algumas peças ouro, prata e jóias.
Dicionários traduzem
Peabiru como "caminho amassado" (do tupi-guarani,
pe = caminho +
abiru = gramado amassado) e até "o caminho cujo percurso se iniciou"
(não sei de onde tiraram isto). Mas estou convencido que, por analogia com Tatuapé que quer dizer "caminho do tatu, por onde o tatu passa", Peabiru quer dizer "caminho do (= para o) Peru, por onde se passa para ir ao Peru", significado que passa desapercebido pelos tradutores do Tupi/Guarani. Aliás, o nome do país Peru não vem daquela ave homônima e também típica do continente (norte-)americano como se poderia pensar inocentemente a princípio; é originário da língua dos Incas, que chamavam seu país de Biru, e que os espanhóis entenderam e nomearam a região como sendo Peru.
Mais informação sobre Peabiru:
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http://www.historiabrasileira.com/brasil-pre-colonial/caminho-do-peabiru ou
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http://peabirucalunga.blogspot.com/
(e nos links que estes sites apresentam)
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Um comentário:
Uma bela aula de história estou acompanhando e aprendendo. Na verdade estou morando em São Vicente por uns meses. Abrqaço
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