(Parte 1:)
Filhorinhas 2 - Desejos imediatos
Como pai, fico a observar as crianças dos outros e como são criadas e educadas. (1)
Admiro as crianças japonesas, digo, as crianças filhas de pais de origem japonesa ou oriental, em geral. Pelo menos as que vejo aqui no Brasil e nos filmes. São quietas, caladas. Mesmo que inteligentes e arteiras, o respeito aos pais e tradição são marcantes, chamam a atenção. Não sei como eles, os pais, conseguem esse resultado, nem a que custo (de traumas, medos, ou censuras) para as crianças. Mas, como eu disse, fico com a impressão de que são quietas, caladas e respeitosas.
As crianças pobres, isto é, criadas (se é que pode-se assim dizer, talvez largadas seja palavra mais apropriada) por famílias de baixíssimo poder aquisitivo, também me revelam uma característica comum: parece que são mais pacientes, se contentam com muito pouco, e, com o pouco que têm, se enchem de imaginação para criar seu universo e brincadeiras para encher seu tempo. Se isto nem podem, ficam a fazer nada, com uma paciência e inatividade incrível. Certamente, não lhes sobram opções, mas aprendem rápido a se adequar - ou se conformar, não sei.
Comparativamente, as crianças mais "afortunadas", criadas por pais que lhes desejam tudo de bom ou facilidades que não tiveram enquanto crianças, são mais exigentes: querem de tudo, e sempre, e mais. Nunca se contentam e quase sempre se frustram quando não conseguem aquilo que desejam.
Talvez o mal esteja na forma como lhes educamos. Causa e efeito. Razões e conseqüências. Não saber dizer NÃO, ou acostumá-las que o SIM é possível e fácil, sem muito esforço para alcançar seus desejos, é como não ensiná-las a valorizar seus desejos alcançados.
Preocupado com isto, procuramos dosar o que é dado e o que é negado. Justificando quando não damos, sem querer privá-las do que é necessário a uma vida melhor (pra quem?).
Davi é mais compreensivo e sempre uma boa explicação lhe convence, ainda que fique contrariado.
Já Arthur, este quando quer algo, não há conversa que o convença! Ele fecha a cara, dá-lhe as costas e fica "de mal", emburrado por um bom tempo... E é daquele que não esquece as faltas que você lhe faça, e com o tempo aproveita alguma oportunidade para lhe devolver a moeda ou lhe jogar na cara a desfeita. Isto é terrível. Para ele, os desejos têm que ser atendidos, imediatamente. Esperar acontecer um desejo é algo que precisa aprender ou aperfeiçoar. Mas às vezes o próprio tempo parece conspirar para isto!
Estávamos viajando de carro, pelas estradas no sertão deste enorme Brasil, na região do planalto central, onde predomina a vegetação e fauna de cerrado. Numa dada paisagem, avistamos o que chamei de "plantação de cupins", ou seja, uma quantidade enorme de cupinzeiros (montes de terra onde habitam essa espécie de formigas) no meio.
Sabido que é, Arthur lembrou-se que tamanduás-bandeira são naturais desse habitat.
- Por que você quer ver um tamanduá? É um bicho raro, em extinção... Você acha que vai ver algum vivo, perto da estrada? Eu e sua mãe já vimos, até dois, em tempos e lugares diferentes, mas mortos na beira da estrada, certamente atropelados ao tentarem atravessá-la, e os veículos não conseguem parar em tempo. Se você tiver sorte, podemos até ver algum pelo caminho. Fique atento.
- Mas eu quero ver um vivo! Um tamanduá-bandeira!
- E tem que ser tamanduá-bandeira? esse é o maior deles. E não são tantos. Se ver, talvez seja um pequenininho, e morto no acostamento. Mais fácil ver tucanos voando, atravessando os céus por esta região...
- Eu queria ver um, vivo! - repete ele, decidido. Vai ficar querendo, pensei.
Não demora muito, distraída e apreciando a paisagem, Mirian vê ao longe um cachorro grande, andando esquisito em campo aberto, e este pára diante de algo no chão. De repente, percebe que não era um cão, mas sim um tamanduá! E vivinho da silva!!! Com o carro a 100 km/h, tudo acontece muito rápido! Mas foi tempo suficiente para que todos nós o víssemos com nitidez e deslumbre, em plena ação, metendo o focinho e a língua no cupinzeiro (claro que este detalhe só estava claro na nossa dedução). Pelo desenho e coloração típica da cauda - se é que se pode dizer que preto-e-branco seja "coloração" -, era certo que se tratava de um tamanduá-bandeira! Pena que não deu tempo de registrar a cena: ou era desviar o olhar para pegar e preparar a câmera fotográfica digital, ou era apreciar e memorizar aquele precioso e raro momento, eternizado agora em nossas lembranças.
Ainda empolgado com o privilégio presenciado, eis que vejo no canto da estrada um grande volume se aproximar e passar a 100 km/h, jazido inerte. Era outro tamanduá (eu vi a cauda, e pelo tamanho, também mais um da espécie bandeira)... Este, só eu vi bem. Quando avisei, os outros só puderam confirmar vendo pela janela traseira do carro aquela coisa morta afastando-se.
Foi uma cena triste, principalmente comparada à anterior. Dali a pouco, avisto outro murundum adiante na beirada da pista... Vou diminuindo a velocidade aos poucos e encostando, dando passagem aos outros apressados veículos que vinham atrás, alheios a essas coisas da natureza de nossa fauna, vitimadas pelo progresso do mundo. Até parar bem em frente. E a visão era esta, a da foto aqui publicada. Dá pra ver o tamanho das unhas, do focinho e as faixas brancas nas patas... Outro tamanduá-bandeira, o terceiro do dia! Já era bem de tardezinha. E pelas moscas e vi voando ao seu redor, e o estufamento da barriga, devia estar morto desde de manhã, pelo menos, senão antes.
A viagem prossegue, faltava pouco para chegar ao nosso destino, e queria terminar a jornada logo. Lá na frente, mais adiante, outro bicho morto, desta vez do outro lado da estrada. E quem diria: o quarto tamanduá-bandeira do dia! Nem parei para tirar outra fotografia. Mas todos testemunharam mais este. Eu disse:
- Arthur, dê-se como um cara privilegiado! Poucos são os que têm a sorte de ver um tamaduá-bandeira de verdade, que não seja nas fotos. Você viu QUATRO!!! Se bem que três deles mortos, mas UM ainda vivo, e em seu habitat natural! (2)
E ele reflete um pouco, e conclui:
- Sim, eu queria ver um tamanduá-bandeira hoje, e vi. É, meus desejos são imediatos! Acontecem quando eu desejo. (3)
Por sorte, eu mantinha minhas mãos no volante, dirigindo... não sei se esganava ou abraçava o menino!
Ah, por acaso, eu me lembrei daquele sujeito que rezava/orava pedindo para ser mais paciente: "Oh, Senhor. Dai-me paciência... mas TEM QUE SER JÁ!!".
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(Parte 2:)
Comentários pessoais:
(1) Importante: não estou aqui a fazer nenhuma crítica nem levantando preconceitos
(2) "habitat natural" pode parecer barbarismo, mas lembro que pode haver "habitat artificial"mente reconstituído pelo homem, por exemplo em zoológicos
(3) Ele já havia demonstrado dessas, mas isto é uma outra filhorinha...
Eu ainda gosto dos blogs
Há um mês
6 comentários:
já tinah observado as mesmíssimas coisas, sobre filhos de orientais, crianças de baixa renda, classe média e...os meus!
sim, arthur parece demais com o victor, que quando emburra é pior que mula empacada, e tem memória de elefante! mas é extremamente observador e dono de comentários mordazes.
só que quantoa rezar e acontecer davi está mais par irmã selma!
que quando reza....acontece!
segue o vídeo
http://www.youtube.com/watch?v=0_AEhhdo6xE
Eu fui praticamente uma criança japonesa em termos de comportamento. Apesar de incorrigivelmente desastrada e inegavelmente estabanada, bastava um olhar da minha mãe para que eu sossegasse - mesmo que alguns minutos depois eu estivesse novamente derrubando alguma coisa. Na verdade não por trauma, medo ou censura... talvez por uma questão de respeito mesmo. Contribuiu muito para isso o fato de que, apesar de vivermos uma situação financeira razoavelmente confortável, nos acostumamos desde cedo com os "não" e com a questão do merecimento. Minha mãe dizia que, antes de pedir qualquer coisa, deveríamos nos perguntar "eu mereço?" e, mesmo que merecêssemos, se precisávamos mesmo daquilo para melhorar o dia. E geralmente esquecíamos o tal "aquilo" e corríamos para a rua, para brincar de queimada, pular elástico ou correr na chuva com as outras crianças :)
Que triste esse relato sobre os tamanduás... não dá pra entender como uma animal que está em risco de extinção tem sua preservação tão negligenciada. Arthur teve mesmo sorte de ver um vivo. E, segundo a Senhora Dona Bruxa Mirian, esse rapazinho dos desejos imediatos tem muitas semelhanças comigo, rs... coincidentemente ou não, minha mãe repete a oração da paciência até hoje, quando o tal olhar sossega-leão não funciona!
Beijos, feliz 2009 pra vc!
P.S.: o meu blog pessoal é o Sabe de uma Coisa?, aquele que você visitou. Os demais são parcerias, onde posto esporadicamente. E não se preocupe com tempo não, sempre que aparecer será bem-vindo!
Ai Gizuis, fiz um post sobre o post...
Haha! O "pequeno Arthur" (dá um bom titulo de história, mesmo que Arthur me mate quando me ver de novo) é um menino "emburrador" mesmo. Persistente também, se não me engano. Naquele dia ele encanou com a tal uma hora e quatro minutos na lan house que prometi a ele xD
...sobre o questionamento
das crianças educadas ou não,
é simples:
cobrímo-las de 'mimos'
para que nos sobre tempo
fora da presença vital
que tanto bem faz na educação
dos primeiros passos.
'compramos' os filhos
em troca da nossa liberdade.
resultado...
filhos canditados à falta
de educação, inseguros, portanto
exigentes, e o mais grave,
quase sempre tornam-se pessoas
depressivas, ou inconsequentes.
.....
André,
"Se houver luz na alma,
Haverá beleza na pessoa.
Se houver beleza na pessoa,
Haverá harmonia no lar.
Se houver harmonia no lar,
Haverá ordem na nação.
Se houver ordem na nação
Haverá paz no mundo."
Antigo Provérbio Chinês
...é com estas palavras
que eu deixo a você,
que esteve comigo durante
este 2008,
meus sinceros agradecimentos
por ter me dado a chance
de cruzar teu caminho,
e assim tornar-me
um ser melhor.
que 2009 seja pra você,
o porto de todas as
realizações...
um beijo
Viajei na história e entendo perfeitamente a urgência da vontade, do desejo das pessoas...
Boa noite!
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