Este poema foi escrito em 07/06/1986.
Era ano e mês de Copa do Mundo (de futebol).
Uma das coisas que sempre me intrigou em São Paulo é por que fazem tantos prédios com sacadas, varandas e balcões, sendo que ninguém vai lá ou ali permanece para olhar o mundo que passa lá fora. Estão todos tão ocupados... (como dizia Raul Seixas)
Mas quando há jogo de futebol da Seleção Brasileira na Copa do Mundo, é diferente!
Os paulistanos saem às janelas para verem como está a festa pelas ruas (quando o Brasil ganha, obviamente).
Nesse clima festivo, me chamou a atenção ver duas garotas, que pareciam irmãs, no prédio em frente.
Pensei ter havido uma longe troca de olhar... Na verdade houve sim, pois nos demos "tchauzinho". Uma brincadeira atrevida e inocente. (rsrs)
Aquele mês estava frio e claro como este que estamos vivendo agora, de novo em plena Copa do Mundo.
O que me trouxe de volta a este poema, que compartilho com vocês, em primeira mão.
para o Terceiro Andar
Perdoem-me minha atitude pouco sutil
na varanda, após o jogo do Brasil.
Eu estava muito contente,
não pelo resultado,
mas sim por ver gente
nas janelas; lamentei ter constatado
que isto só acontece
quando barulho na rua
chama a atenção.
Ninguém mais vibra com a sensação
de ver entre os prédios o nascer da Lua;
e assim não percebe a emoção
que causa esta tão rara visão...
Porque, após um dia agitado
de trabalho ou estudo, se esquece
que agradável remédio
é chegar na janela do prédio
e deixar o frescor do ar,
ainda que poluído, dissipar
pensamentos que te deixam preocupado.
Uma emoção, ainda maior
é perceber que no interior
destas gélidas construções
às vezes também tem gente
que pensa como a gente!
E era essa emoção que eu sentia,
pois dia em que Brasil vence é o dia
em que você olha as janelas
e, feliz, vê gente viva nelas,
pessoas que riem e que brincam,
mas que ainda por algum medo
palavras não trocam...
Que terrível temor é este
em que falar com vizinho
parece sempre cedo?
Talvez é preciso fazer um teste
para conhecer bem que tipo de gente
que mora em frente
antes de dizer um "alozinho"...
Por isso não resisti
em apontar meu olhar apenas para os balões
no céu, e insisti
em apreciar duas preciosidades
tão próximas... e tão distantes!
Eu me pergunto: por que nunca antes
me ocorreu uma dessas eventualidades
de conhecer quem mora ao lado?
Bom, de qualquer forma agradeço
este prazer que não tem preço:
brincar com a imaginação
e um momento de inspiração.
E assim, ofereço
como agrado,
esta caixa **
de doces
a vocês,
de bom grado
e por me fazer
lembrar que nessa faixa
da cidade
a Humanidade
ainda está a viver!
** (e esta carta foi deixada na portaria do prédio junto com uma caixa de bombons finos)
3 comentários:
E qual foi a reação?!
É estranho mesmo este sentimento de não compartilhar o nascer do sol na varanda e nem conhecer o seu vizinho de andar... A vida.!
Bjos =***
São estas sutilezas do dia-a-dia que deixamos passar desapercebidas, seja pela correria, seja pela sensibilidade que aos poucos se congela dentro da gente.
É importante estar atento e olhar o mundo com os olhos da alma, assim estes momentos acontecem e nos encantam!
Beijos
Acredito que as pessoas estõ a cada dia perdendo a sua sensibilidade. Nessa sanha louca do dia-a-dia e essas metas absurdas que dificilmente são alcançadas, deixam de degustar as pequenas grandes coisas cotidianas que dão tempero e sentido real as nossas vidas. Um abraço.
http://submundosemmim.blogspot.com
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