domingo, 6 de novembro de 2011

Puro Lixo



Sempre achei que salários deveriam ser pagos proporcionalmente ao trabalho e sua importância para a sociedade, o risco que o indivíduo corre ao exercê-la e os benefícios e produtividade que trazem para a coletividade. Assim, não justificaria uma desproporção abismal entre o salário do diretor de uma empresa e da faxineira que limpa seu banheiro! (Atenção: não quero desmerecer quem conduz o dia-a-dia de um negócio, nem desvalorizar quem estuda e se especializa numa profissão.)

Portanto, na minha modesta opinião, a função que melhor devesse ser remunerada é a de LIXEIRO! Quem não pensa assim, aceitaria ser lixeiro (que seja por um dia, apenas)? Os caras correm o dia inteiro (dia e noite!), têm que respirar o pior dos odores (dos nossos rejeitos), em condições insalubres de trabalho, e ai da cidade se eles não passam! Você, nem ninguém, sabe o que fazer * com o lixo que você naturalmente acumula dentro e fora da sua casa, escritório, empresa, etc! As conseqüências são catastróficas. Esses heróis deveriam receber mais que Presidente da República, magistrados ou qualquer outro salário oficial no país.

Por isto, recomendo a leitura do artigo de Fernando Bonassi, publicado no jornal A Folha de S.Paulo de 3a.feira 16 de outubro de 2007 no caderno Ilustrada, chamado "Com respeito a essa sujeira", que eu reproduzo abaixo. Não gostei muito de como ele encerra o texto, mas sua criatividade na abordagem de um assunto de vital importância é digna de aplauso!

Ah, incluo Professores de um modo em geral nesta lista de profissionais importantes. Claro que nem todos, pois existem muitos professores despreparados e incompetentes (muitas vezes nem é culpa deles, pobres esforçados tentando sobreviver)...

Outros fatores devem ser levados em conta, como também a revisão de todas as atividades x remuneração.

Alguns poderiam alegar: "O justo mesmo é receber pelo tamanho da responsabilidade do trabalho. Se você comparar a resposabilidade de se fazer uma cirurgia complexa no cérebro ou na coluna com a de varrer a rua... Não temos como comparar o grau de complexidade e de resposabilidade, obviamente sem deixar de dá o mérito pra ninguém."

Acontece que Justo e Certo são palavras primas mas que nem sempre andam juntas!

O médico lhe cura, mas o lixeiro evita que você se contamine com inúmeras doenças, seja levando seu lixo ou varrendo as ruas que você passa. Você não tem noção do que seria viver num mundo sem coleta ou varredores de rua! Quer uma responsabilidade maior do que esta? Alguém já parou para pensar quanto lixo você produziu durante toda a vida? Onde estaria ele se não fossem os lixeiros que o recolhe? Talvez disputando espaço com você na sua casa... Ou no lote vago mais próximo da sua casa. Já viu o pandemônio que vira a cidade quando eles páram (por greve ou questões contratuais das empresas coletoras)? Sacos de lixo na porta da casa, trazendo doenças, entupindo bueros (se chover), etc... É quase pior do que uma guerra o caos decorrente!

Ou seja, o trabalho deles, dos lixeiros, AFETA TODO MUNDO, o do cirurgião complexo afeta só quem precisa da operação... Onde fica a responsabilidade maior? É complicado...

E quanto ao estudo valer alguma coisa, concordo em parte! Acho caríssimo se formar, seria justo ter este investimento de volta. Mas há um outro risco: de fazer do estudo uma espécie de profissão. Explico: se estudar mais, vai receber mais, ainda que enquanto estuda fique improdutivo! É uma ironia a se resolver...

Mestre Buda já dizia: todos e tudo no mundo têm sua função, sua razão de existir, e é útil de alguma forma (ainda que a gente desconheça qual seja essa função). Ele certamente não disse isto com estas palavras e o comentário entre parêntesis é meu. E se por acaso ele não disse assim, deveria ter dito! (rsrs)

O que é inadimissível é congressistas e parlamentares aumentarem seus próprios salários sem pedir consentimento a nós, seus patrões.



(* = O reaproveitamento do lixo, seja reciclagem e/ou geração de energia, é tema para outro post.)




Com respeito a essa sujeira


Há quem diga "coletor de lixo"... É correto.

Pode ser "funcionário da limpeza urbana", um eufemismo.

Ou ainda, atestando mais do pavor que têm do frescor das palavras, seria o "pessoal da prefeitura"... Como se toda a prefeitura se dedicasse à limpeza. Infelizmente, não é assim.

Assim sou eu o designado para o asseio disso tudo. A primeira pessoa do coitado do singular do verbo ser!

Pois é; todos são qualquer coisa e eu sou lixeiro, com essas sete letras minúsculas que os maiúsculos acreditam poder acobertar por baixo de seus tapetes sujos de tramas...

O drama é que o próximo dia 21 de outubro é o nosso dia. O dia do lixeiro deveria ser um dia de descanso com a minha família, mas a sujeira que as suas fazem não me livram do trabalho neste dia de domingo.

Não ganharei nada mais que a miséria das horas extras do meu salário de fome, enquanto as suas nobres sobras segregadas serão arremessadas pelas latas escondidas. Estaremos pendurados em caminhões especialmente preparados para aspirar e varrer, recolhendo os seus sacos cheios daquilo tudo que teimam em se livrar.

Lamentamos informar: é impossível. Do pó mixo viemos e ao pó do lixo voltaremos.

Isso nós sabemos muito bem, ainda que os piores, ou que se querem "muito limpos", insistam que são melhores do que isso e que, por isso, irão para alguma espécie higiênica de paraíso...

Que é que Deus tem a ver com esse lixo? Nós, pelo menos, recolhemos democraticamente o de Higienópolis e o de Paraisópolis, sem essa distinção que ricos e pobres, pretos e brancos, judeus ou muçulmanos fazem entre eles.

Somos todos "hermanos", por menos que queiramos, meus caros! Malandros e otários excretam a mesma substância em seus vasos sanitários e produzem a mesma quantidade de dejetos.

Recolho aquilo que foi usado. O abjeto espremido, apertado e esvaziado para saciar os seus prazeres. Faço-lhes o bem, ainda que vocês desviem os rostos com os narizes empinados e as bocas esgarçadas de nojo quando nos vêem. Não fôssemos nós, vocês teriam de se haver mais tempo com o que há de podre em si mesmos!

O lixeiro pode observar essas nuances do progresso tão falado por meio dos equipamentos que são jogados como inúteis, quebrados ou simplesmente ultrapassados. Há algo de bom em ver as coisas velhas, abandonadas e estragadas. A gente aprende a se despreocupar da necessidade de ser jovem e abusado de alguma maneira, que é uma das manias -ou besteiras- dessa juventude seduzida por vitrines, propagandas e novelas.

Por isso nosso serviço é tão importante nessa república de bananas. Ele mantém as mentes dos eleitores crentes que são limpas as intenções dos eleitos, enquanto os mais sacanas dentre eles fazem a roda de sua fortuna girar no lixo dessa história de bacanas.

A verdadeira sujeira gira à luz do dia, quando os senadores abrem os bancos, as bolsas e as lojas, os seguranças se põem em seus carros acelerados, homens e papéis são amassados num emprego suado, fedido e repetido desde sempre.

Muitos se submetem a essa escravidão de todo dia.

Eu só me submeto ao lixo. E o lixo é como o mar, fascinante e traiçoeiro. Com ele eu me meto com prazer, mas hei de conhecer os seus riscos mais cortantes. Uso luvas e cruzo os dedos. Que é que eu posso fazer?

Quem poderá conceber o que é o bom sem conhecer o que é o mal?

Quando as pessoas me perguntam "mas por quê?" eu sou lixeiro e como eu agüento essas coisas de que falo, eu devolvo-lhes a pergunta: quero saber se têm certeza que estão fazendo um serviço mais limpo do que esse para a humanidade, além de sujarem o planeta com as imundícies de sua moralidade?

Há lixo em tudo. Em mim, em você... e você sabe muito bem do que falo. O lixo fermenta e faz nascer outras coisas também! Nem a natureza seria isso sem o seu próprio lixo. São os porcos que fazem as pérolas.

O lixeiro está entregue ao movimento das ruas, às noites de lua e aos vampiros das madrugadas. Vemos o que não queremos, mas os nossos olhos pelo menos são puros...

Dia desses, por exemplo, um cadáver todo torto apareceu lá no aterro. Estava baleado na nuca, como um condenado. Era quase um menino, não fosse um anjo morto. Primeiro rezamos pra melhorar a situação da alma, depois chamamos a polícia pra cuidar do corpo, que nem toda a sujeira perpetrada neste mundo é luxo de nossa alçada.



FERNANDO BONASSI
Com respeito a essa sujeira
Folha de S.Paulo - caderno Ilustrada
São Paulo, terça-feira, 16 de outubro de 2007




Bônus I:

Nesta semana deparei com uma excelente postagem sobre lixo, no blog do Jair Lopes, Um Blog Que Pensa.
Recomendo sua leitura!

Em função disto, resgatei esta postagem (de 17/10/2007), com algumas inclusões baseada nos comentários, do meu antigo blog, Relatos de Viagem e Reflexões, que tem uma visibilidade distorcida quando carregado por outros navegadores diferentes do Internet Explorer da Microsoft, como o FireFox da Mozilla ou o Chrome da Google e outros, razão pela qual migrei do Myblog (Mypage) para o Blogspot (Blogger).




Bônus II:

Ainda sobre remuneração, eis uma pequena transgressão em delírio:

Salários = sal a rios
http://mesdre.blogspot.com/2010/07/salarios-sal-rios.html



9 comentários:

Vivian disse...

...duas profissões que eu tenho
GRANDE respeito,
são os lixeiros, e os carteiros.

quão importantes são estas
pessoas em nosso cotidiano!!

pena não receberem o salário
que merecem.

afinal,
não são políticos, né?

ai ai

bj

JAIRCLOPES disse...

André,
Excelente teu introito, melhor até que o texto de Bonassi. Em que pese não termos condições de viver no meio do lixo que produzimos, vemos nos lixeiros trabalhadores menores, sem charme e sem dignidade. Pobre imbecis que somos! Você reconheceu-lhes a importância que devem ter, parabéns.

Luna Sanchez disse...

Não tenho o que acrescentar, concordo imenso com o teu ponto de vista e com os teus argumentos, Mr. Abacate.

Um beijo.

Ivana disse...

Excelente, concordo plenamente com você, lixeiro e outros profissionais deveriam ter um salário mais digno e justo. Vou imitar a nossa querida Luna, pode?
Um abraço, Sr. abacate, rsss

Ivana disse...

Também gostaria que você visitasse meu cantinho, o Sr. faz tempo que não aparece por lá, conferir um vídeo que eu fiz com a música do gonzaguinha "Viver e não ter a vergonha de ser feliz", a letra também faz refletir, como seu artigo, muito bem escrito. Aguardo sua visita. Uma ótima semana, um abraço.

mfc disse...

E viva o lixeiro...e já agora uma maior igualdade nos salários, acabando com a pouca vergonha que são certois salários... ou por serem demasidamente baixos... ou por serem demasidamente altos!!!

Elisa T. Campos disse...

André
Excelente postagem.Concordo. Duas pessoas que admiro muito é o catador de papel e o coletor de lixo.Tentam sobreviver dignamente, merecedores de nosso grande respeito e tão ignorados pelos governantes.
Em alusão a que rotineiramente ignoramos postei no espaço Cronoterapia de Dilson J. dos Santos
mais ou menos isto:

"Às MarGARIdas
que todos ignoram na rua
até um Bom Dia¡¡¡
Faz a diferença"


Não consegui acessar o seu antigo blog mencionado

Uma boa semana

Marineide Dan Ribeiro disse...

Infelizmente, desde que o mundo é mundo, aqueles que mais trabalham pesado são os que menos tem valor!
Quanto aos parlamentares, eles estão certos, já que, só fazem "caca" e o povo continua votando neles! A culpa é de quem vota ou de quem não reclama!

Um abraço

Hélia Barbosa disse...

Fico pensando que, se os salários fossem mais equiparados, as chances de alguém trabalhar em algo que gostasse, realmente, seriam muitíssimo grandes!!

Sabe, eu sempre gostei dos garis, como são chamados aqui (quero dizer que o hábito aqui é dizer gari mesmo, pela população)!! Sempre os admirei, nunca virei o rosto, pelo contrário... admiro-os muito, especialmente porque estão, quase sempre, rindo e brincando, enquanto correm atrás do caminhão, juntando aquilo de que queremos nos livrar... Inclusive, quando a autoestima está muito baixa, é ótimo encontrar os garis... Ao menos os de BH têm sempre alguma cantada criativa... Outro dia um gritou pra mim, na rua: "Essa é a mãe que os meus filhos estão esperando lá em casa!!"... hehehe... pacote completo!

Beijos!!

^^

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