domingo, 28 de fevereiro de 2010

Amor de Carnaval


A canção "A Noite dos Mascarados" de Chico Buarque (veja Quem é você que eu quero?), fala de "amores de carnaval". Quem é daquela época que a música foi lançada, sabe do que está se falando na letra.

Era algo como os "amores de férias de verão", tema de muitos filmes. Aliás, aquele encontro de mascarados já foi inspiração para o romance entre Romeu e Julieta (de William Shakespeare). E também tema para Arlequim, Pierrô e Colombina, inspiração para uma das marchinhas de carnaval mais famosas: Máscara Negra.


Mas um comentário contemporâneo é bem do tipo: "Poxa, nos meus tantos anos de vida nunca vi o Carnaval assim. Bom, ainda bem que deixei o samba e a animação entrar, porque assim o amor de carnaval nem fez tanta falta. Mas é bom? Nunca saberei, tive medo."

CARNAVAIS, SEXO E FANTASIA

Primeiro, precisamos ver que há vários Carnavais, e não de um só tipo. O carnaval de Porto Rico é diferente do de Veneza, que nem se parece com o do Brasil. Mesmo aqui, o carnaval dos desfiles de escolas de samba com suas baterias e carros alegóricos, é diferente daquele dos frevos e axés pelas ruas, atrás dos trios elétricos, que por sua vez difere daqueles de bailes no salão (veja um panorama atual interessante em Festa de Carnaval).

Até há algum tempo atrás (talvez muito antes dos seus tantos recentes anos de carnavais memoráveis), ainda nas décadas de 60 e 70, os bailes de carnaval e blocos populares de rua, onde todos iam, escolher e usar uma fantasia era motivo de alegria e pretexto para "brincar o carnaval". Pulava-se e andava-se pelo salão inteiro... Havia concursos para eleger a melhor fantasia, o melhor folião/foliã mais animado (=com maior pique)... Havia até matinês, para as crianças de todas as idades!

A fantasia incluia pintura no rosto ou máscaras, para que (o folião ou a foliã ou ambos) pudessem se divertir sem receio de serem reconhecidos ou censurados por isto mais tarde, depois do carnaval. No caso dos adultos, é claro; as crianças só imitavam as fantasias.

E, escudados pelo anonimato ou disfarce, alguns extrapolavam os limites de um ano inteiro. Assim justificavam seus atos ousados, com a desculpa que as liberalidades (e libertinagem) durante o carnaval seriam queimadas (perdoadas ou esquecidas) junto com as fantasias na Quarta-feira de Cinzas (donde vem o nome).

Daí, Carnaval virou sinônimo de "vale-tudo", em que todos os seus desejos reprimidos poderiam vir à tona em 4 dias de festa, música e dança: bebedeira (álcool), lança-perfume (drogas), infidelidade (beijos, abraços, sexo), farra (molecagem, atrevimento, contravenção)...

Era muito mais ousado logo que começou a liberação da censura, depois de anos de repressão. Nos anos 80, a liberação sexual da sociedade deu largos passos. Assuntos tabus já não eram mais, as TVs, revistas e jornais passaram a mostram mais do que o habitual (closes em bundas, seios desnudos, malhos, sarros e até sexo explícito pelos cantos dos salões e camarotes, durante as madrugadas de carnaval)...

Depois ficou um tanto apelatvo, e chegando aos alardes o fantasma da AIDS (ou SIDA), de mãos dadas com a Morte, levando rapidamente consigo ícones "inatingíveis" e admiráveis, lembrou a humanidade e fragilidade de todos, e refreiou um tanto os ânimos, a anarquia e a depravação generalizada.

Assim, o que aconteceu é que a exposição à mídia foi se tornando menos "novidade" e naturamente menos abusado e mais comedido (pelo menos no que se mostra na TV, nas revistas e nos jornais - não quer dizer que as pessoas tenham se tornado menos abusadas).

Mas o estrago já estava feito: o conceito do Carnaval mudou, e sua percepção também. E o impulso sexual deixou de ser reprimido, só passou a ser contido.

Aos olhos do mundo (e principalmente do turista estrangeiro), o carnaval brasileiro agora é sinônimo de bunda sambando, pouca roupa e muito sexo.

Para os brasileiros que sabem que não é bem assim, o carnaval atual é sinônimo de espetáculo carregado de interesses cormerciais, um "show business" de entretenimento e lucros.

Ou senão, uma data que pode representar um feriado prolongado (de 5 dias ou uma semana inteira), período de férias coletivas, que a maioria das pessoas espera para poder viajar e/ou descansar. Estes não pulam nem brincam carnaval; talvez alguns, fazendo turismo doméstico, resolvam experimentar e conhecer a modalidade regional, diferente do que estejam acostumados onde vivem.

Já os que participam da festa, as fantasias de hoje são uniformes, parte da coreografia visual de um desfile quase organizado, ou são ingresso que assegura o direito de se juntar a um grupo para passar a noite ouvindo música alta, sacudir bastante, arrastar os pés entre um pisão e outro no meio daquela seleta multidão entre vários empurrões, beber um tantão e tentar beijar outro tanto, se tiver sorte.

Mulheres casavam para sair da casa dos pais, ou porque queriam filhos, ou sonhavam "brincar de casinha" de verdade (eram educadas para o casamento). Homens casavam para terem um lar, ou esposa dedicada, ou descendentes. O sexo consentido socialmente, só depois do casamento. Até lá, as pessoas namoravam. Quem quisesse sexo antes, ou era clandestino e era raro, ou para isto existiam as zonas e bordéis (alguns, mesmo casados continuavam a freqüentar).

Mas esse conceito mudou. Tanto que a garotada e jovens de hoje não namoram mais: eles "ficam". Educação sexual é ensinada nas escolas fundamentais, e camisinhas-de-vênus (=preservativos) são distribuidas gratuitamente em campanhas oficiais ou vendidas nas prateleiras das farmácias como se fosse balas ou nas máquinas automáticas nos corredores do metrô ou banheiros públicos.

Enfim, nos tempos atuais, as pessoas transam a naturalidade como quem sai para ir ao cinema. Os pais preferem e até incentivam que os filhos tragam as namoradinhas para casa (e vice-versa) e "autorizam" ficarem juntos: melhor sob seus tetos e sabendo quem onde estão e quem são, do que os riscos dos tempos atais (Doenças Sexualmente Transmissíveis, drogas, seqüestros, brigas, acidentes de trânsito, prisão, assaltos e morte - não necessariamente nessa ordem).

Com tanta facilidade, ninguém mais tem que "esperar" o carnaval chegar para transar loucamente. Aliás, transar com desconhecidos é potencialmente perigoso!

Com isto tudo, as máscaras foram caindo e as fantasias foram sendo incorporadas ao longo de todo o ano, e não só no carnaval.

O Carnaval se especializou e diluiu de intensidade e da mística histórica, seguindo seu passo de evolução.

ORIGENS

Aliás o conceito de carnaval vem mudando sempre e se adaptando ao longo da história, desde sua origem.

A origem da palavra "carnaval", possivelmente vem do latim medieval "carnem levare" (=levar a carne embora). Dizem que o Carnaval é hoje uma tradicional festa universal dos países católicos: geralmente se iniciava no Dia de Reis (Epifania, 6 de janeiro) e terminava às véspera dos jejuns da Quaresma (na Quarta-feira de Cinzas. Para muitos católicos praticantes, Quaresma significa que você não comerá carne até a Páscoa... Nos tempos da Europa Medieval, não havia geladeira, e com a chegada da Primavera e depois o Verão quente, antes da Quaresma era tempo de dar "Adeus à Carne", tempo do "carne evalle", nas datas que conhecemos como Carnaval, de domingo até terça-feira, carne de tudo o que é tipo acompanhada de toda sorte de bebidas, e como, mesmo a nobreza não comeria a tal da carne e para evitar desperdício, ninguém trabalhava nem na segunda nem na terça! Todo mundo enchendo a cara de carne (e de bebida)!

O Carnaval não deixa de ter sua origem pagã também, ainda que propagado pela própria Igreja Católica com toda propriedade de sua fé. Os antepassados dos camponeses europeus medievais, antes da imposição da religião católica, adoravam outros deuses e tinham outros costumes, que a Igreja inteligentemente se apropriou das datas existentes com sincretismo e conseguindo conversões mais facilmente.

Dizem que o Carnaval teve origem nos bacanais da Roma Antiga. Eram festas Saturninas, 5 dias em homenagem a Saturno (deus greco-romano), em que os senhores agraciavam seus melhores servos, servindo-os. Essa troca de papéis, voluntária e concedida, teria dado origem às fantasias e máscaras (para não revelar quem era quem), ao período e duração, juntando-se à prática de orgias romanas em algumas famílias e políticos. Pelo menos essa foi a outra variante que ouvi sobre as raízes carnavalescas como festas. Os bailes de máscaras somente começaram a acontecer nas festas vitorianas do século XVIII.

CONCLUSÃO

Sobre todo aquele festival de carne que se promovia antes da Quaresma, cabe mencionar ainda o seguinte. Naquele tempo sem geladeira nem freezers, as carnes apodreciam rapidamente, já preparadas ou não; e para amenizar o gosto horrível da comida estragando é que entraram, e ganharam um peso imenso, os temperos, mais conhecidos como especiarias, principalmente os mais fortes e exóticos, trazidos da Índia.

Longo caminho por terra, passando por um Oriente Médio tumultuado, a demanda pelas especiarias, temperos e sabores que pudessem tornar a carne mais comestível (por mais tempo), despertou a necessidade de tentar um caminho alternativo, nem que fosse para dar a volta ao mundo por mar! Daí o mundo expandiu.

Podemos dizer que o Brasil, terra do Samba e país do Futebol, hoje existimos, graças à origem do Carnaval!

6 comentários:

Lugirão disse...

Você caprichou no texto.

É verdade, hoje não se precisa do carnaval para liberar geral. O carnaval no Brasil é uma grande industria do entretenimento, um belo espetáculo.

Gosto muito dos blocos pré-carnavalescos que ainda mantém um certo saudoosismo, inclusive nas músicas, como máscara negra.

Já pensou o carnaval em tempos que não existia a refrigeração?

Boa semana.

Mile Corrêa disse...

Muito interessante!
Quando comecei a leitura pensei
que fosse tratar apenas de algum
romance carnavalesco. Mas você
realmente foi em pontos muito
importantes, como a vulgarização
do carnaval. Adorei!
Olha, dediquei um selo pro seu blog. Caso queira conferir está no meu
post mais recente, no segundo
P.S.
Beijo

RENATA CORDEIRO disse...

Olá, querido. Gostei do seu texto. Vc foi fundo. Parabéns!
Carnaval, nossa, há quanto tempo. Este ano, pulei na cama, com gripe, bem acompanhada. Nem me lembrei de que havia festa no país.

Deixo uma cantiga antiga traduzida do meu jeito, viu!!!


*Ao Clarão da Lua*
Domínio público

Ao clarão da lua,
Meu amigo Pierrô,
Empresta-me tua pluma,
Para escrever um bilhete.

A vela já não tem chama,
Não tenho mais fogo:
Abre-me tua porta
Pelo amor de Deus.

Ao clarão da lua,
Pierrô respondeu:
Não tenho pluma,
Já estou na cama.

Vai à na casa da vizinha
Acho que ela está lá
Porque na sua cozinha,
Acendeu-se a lareira.

Ao clarão da lua,
Lá foi Arlequim
Bater à porta da Bruna,
Que lhe respondeu assim:

Quem bate a esta hora?
Ele, por sua vez, disse:
Abri-me vossa porta
Pelo amor de Deus.

Ao clarão da lua,
Enxerga-se pouco:
Procurou-se a pluma,
Procurou-se o fogo.

Buscando ao acaso,
Não sei quem achou:
Mas sei que a porta,
Atrás deles se fechou.

Tradução da Renata*

+ Beijos
Muito obrigada!
Boa Semana
Renata

Vanna disse...

Nossa, quanta informação!!! O bom é q seja como for, o melhor da festa é ver q muitos vivem apenas uma grande emoção pelo prazer d divertir-se a valer.
Sinto hoje ter perdido a diversão, mas não m permito deixá-lo passar em branco.
Bjs, parabéns pelo grande post.

Vivian disse...

...como dizem:

'carnaval é festa da carne',

o que podemos esperar?

Parceiro e Amigos do Blog disse...

Concordo com seu texto amiga , carnaval e isso agora
bjs

tem um selo para vc
http://selosmeme.blogspot.com/2010/03/magia-da-vida.html

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