sexta-feira, 4 de setembro de 2009

POR ACASO DE CAR-RO



O CASO DE CAR-RO: mais ficção que a realidade


Rômulo era um rapaz adolescente, com espinhas na cara, barba ainda por nascer, estudante tímido como tantos outros da sua idade, da sua turma e escola, excitado com a aventura incógnita que a vida lhe reserva, ansioso pelas responsabilidades do mundo adulto que aos poucos assumia, e indescritivelmente desejoso dos instantes amorosos que esperava vivenciar a qualquer momento, mas que nunca chegava. Não tinha namoradas, nem tinha com quem ficar, como se dizia entre eles.

Não gostava do seu nome, achava-o romano demais, muito arqueológico e arcaico, do tipo que espantava qualquer mina, principalmente as gostosas pelas quais ele babava. Preferia ser chamado de Romeu, muito mais romântico e apaixonado, como ele acreditava ser.

A "Julieta" deste Romeu era uma menina mais alta que ele, estudava na mesma escola, mas não na mesma classe. Romeu via-a de longe no intervalo do recreio, de prosa e toda fogosa com as colegas e amigas dela. Romeu ficava se roendo de vontade, mas não se aproximava, tinha vergonha. Pensava um monte de coisas pra contar e perguntar, mas não saberia o que dizer... Só de imaginar a situação, a boca secava, dava um nó na garganta e vinha um frio na barriga.

Maria do Carmo era o nome dela, mas todos a chamavam de Carminha. A mocinha era magra, mas longe de ser esquelética, tinha um rostinho cheio e fofo, de pele quase branca contrastada pelos longos cabelos negros e lisos que chegavam até a cintura, e que variava seu modo de usar, ora soltos, ora presos em coque, ora trançados por cima dos ombros.

A puberdade e os hormônios fazem as formas sobressaírem, tanto nela ganhando curvas e volume abaixo do quadril e na frente do peito, quanto nele sob as calças quando admirava aquelas mesmas curvas.

Romeu queria que Carminha fosse sua. Sua amiga, sua namorada, sua professorinha na matéria do amor, ou o que quer que fosse. Achava que estava apaixonado por ela.

Passava o dia todo pensando nela, como se achegar até ela, imaginando diálogos que pudessem ser interessantes e deixá-la interessada. Na saída da escola se apressava afobado para fazer coincidir seus horários e rumo.

Descobriu que ônibus Carminha pegava todos dias para voltar para casa, e Romeu ia para o mesmo ponto de parada de ônibus e lá esperava pacientemente até que o dela passasse e ela embarcasse... Nesse tempo, era o plano, Romeu teria oportunidades para conversar com Carminha.

Carminha era uma garota viva e esperta. Percebeu logo a presença constante do rapazinho e desconfiava de sua intenção. E fazia-se de tonta, dando corda ao jogo de sedução que, no seu entendimento, não teria conseqüências nenhuma. Era mais uma distração para ela enquanto esperava no ponto.

O plano de Romeu começou a dar certo. Não era sempre que coincidia dos dois juntos no ponto. Tinha dia que ela não ia, tomava outro rumo, ia pra casa de uma amiga ou parente, ou o pai ou a mãe vinha buscá-la na frente da escola de carro. Noutros dias era Romeu quem tinha que ficar na biblioteca para fazer trabalho de escola, ou ia para aulas complementares de inglês, música ou esportes. Enfim, esses desencontros faziam cada encontro ser mais emocionante e esperançoso. E assim era.

Começou assim. No ponto, um olhar breve brejeiro de Carminha, e logo um sorriso contido e furtivo de Romeu. Em pouco tempo já trocavam frases soltas e leves, não importa quem tomasse a iniciativa, sobre o clima, algum evento na rua, alguma coisa da escola ou sobre notícias de jornal ou capítulos de novela. Tudo era pretexto, qualquer coisa era assunto. E as conversas pareciam animadas, e eles cada vez menos estranhos um ao outro, apesar de suas esquisitices típicas e próprias da idade.

O tempo foi passando. Romeu e Carminha já até saíam juntos de final de semana, para irem ao cinema ou a uma sorveteria. Com a turma de colegas e algumas vezes até os dois sozinhos, só eles dois. Ficaram mais chegados, conhecidos, quase amigos, mas sem intimidades - ainda, pensava Romeu. Um sonho: Carminha e Romeu; o caso de Car-Ro.

Tudo ia seguindo seu ritmo morno, até que um dia... Ao acaso, um carro.

Bartolomeu era um cinqüentão charmoso, meio fora de forma como tantos outros na sua idade, barba ainda por fazer, profissionalmente bem estabelecido, sem grandes ambições, mas que esperava mais da vida: mais emoção, mais paixão, mais tesão. Essa busca se traduzia no seu olhar, atento a cada movimento das pessoas que cruzam seu caminho. E no seu caminho estava Carminha...

Passando um dia ao acaso de carro em frente ao ponto de ônibus, onde parou com o carro esperando o sinal de trânsito abrir, o olhar de Bartolomeu mirou Carminha, e admirou.

E o que se descreve a seguir transcorreu num breve instante, como que em câmera lenta, tudo ao mesmo tempo, em apenas alguns segundos, segundo consta.

Bartolomeu desejou Carminha. Mediu-a de cima abaixo e de baixo acima, devorando-a com os olhos e imaginação, lembrando de sua experiência com outras mulheres e pensando em como com ela poderia ser diferente e melhor. Refreou esse devaneio excitante quando a varredura visual encontrou os olhos de Carminha fitando em sua direção.

Carminha estava distraída naquele dia e mal prestava atenção na voz de Romeu, que falava quase sem parar... Estava "desligada", com o pensamento longe. De repente, sentiu-se observada, e uma sensação de calafrio. Foi quando olhou na direção do carro que estava parado na rua à sua frente, e viu o motorista lhe dirigia o olhar, de um jeito tão malicioso que sentiu-se despida da cabeça aos pés e dos pés à cabeça.

E então os olhos de Carminha cruzaram os de Bartolomeu. Ela sentiu um frisson, um tremelique interno como nunca havia sentido antes, e gostou. Sabia que aquele homem feito, maduro, a via como mulher que havia dento de si, e não como uma garotinha que deixava de ser menina. Um calor inexplicável emanava de dentro para fora de seu corpo. Neste instante, mesmo com toda gente em volta, só existiam ela e aquele estranho...

O agora falante Romeu notou então que Carminha não lhe ouvia havia alguns minutos, e calou. Percebeu um clima estranho rolando no ar, e engoliu a seco. Situou-se do que estava acontecendo, e não gostou...

Bartolomeu, o cara do carro, via na mocinha de uniforme uma prazerosa aventura.

Carminha, ávida para se descobrir mulher em sua plenitude, via naquele desconhecido homem experiente e vivido a possibilidade de experimentar uma atrevida e picante loucura.

Romeu, atônito e inconformado, via-se diante de uma realidade insana, e rezava desesperado para que nada disto que ele deduzia fosse verdade. Ou tinha que ser fantasia, ou seria uma tremenda injustiça.

Isto não poderia estar acontecendo, na visão romântica de Romeu... Afinal, ele tinha investido seu tempo e dedicação à sua musa. Era ele quem a queria conquistar, ganhando primeiro sua confiança, para que a entrega fosse total no final. Ele sabia quase tudo sobre ela, ocultamente zelava por ela, ele pertencia ao mundo dela...

Agora aparece um tolo barbado sabe-se lá de onde e indo não se sabe pra onde, e ela se encanta toda? E o deixa de lado, no canto? E todos os seus cantos e odes pelos caminhos de Carminha? Que onda é esta?

Será que ela percebia que o marmanjo safado estava a fim de abusar dela? Será que ela não entendia que o velhaco não se interessava quem era Maria do Carmo, e que só enxergava aquele corpo jovem e delicioso por baixo do uniforme dela?

Rômulo não entendia bem, mas sendo homem, no fundo sabia o que o tal homem queria.

Um misto de revolta, raiva, ciúme, impotência, desespero, desamparo, desilusão e desprezo pela ironia e descaminhos que a vida inventa de nos apresentar e impor nas horas que menos esperamos ou desejamos, este era o sentimento que assolava o trêmulo Rômulo, que nesse momento não sabia o que fazer.

O templo fluía por um funil em que se esvaía, angustiante.

E então, a respiração presa é expelida num alívio, sem pressa, e com ela o tempo engrena novamente.

O semáforo se abre, e o trânsito começa a se mover. Uma buzina do carro de trás traz Bartolomeu de volta à realidade, que, por mais que desejasse seria impossível parar seu carro ali, descer e abordar aquela linda e atraente garota. Deixa o impulso e a fantasia de lado, olha para frente e segue adiante, contrariado. A vida vai lhe sorrir mais à frente, pensou, quem sabe?

Romeu vê o carro arrancar. Ufa! Também arranca de seus ombros a sombra de um futuro sombrio e triste. Pelo menos para ele, e também para Carminha, na sua opinião... Mas quem era ele para saber o que é bom ou ruim, certo ou errado? Tão novo, tão jovem, tanto a aprender... e tomara que seja com a sua eterna "Julieta".

E Carminha de repente acorda de um devaneio. Respira fundo e suspira frustrada por estar sempre na linha e nunca pegar o bonde da história. E para onde iria? Pouco importa, desde que seja emocionante e valha a pena. E com quem? Este é outro mero detalhe, porque sabe que nunca haverá alguém à sua altura, esses crianções de qualquer idade que ela saberia dobrar muito bem. Respira novamente, transpira e sua, calminha... Porque Carminha não era de ninguém: a sua vida era só sua!



8 comentários:

Andre Martin disse...



Romeu, Bartolomeu, Carminha… Ôrra, meu! Quanto 'meu', 'minha'... Minha Nossa!
Será que virão histórias de Euclides, Eurípedes, Eulália e Eugênia? Eu, heim?!
huahuahuahua

mfc disse...

Pois... o semáforo muda e a gente arranca para a mesma vidinha de sempre!

Andre Martin disse...


mfc:


Uma conclusão inusitada, e no entanto extremamente realista!
Pode ser uma "moral da história" bem plausível! rsrs
Obrigado.

Vivian disse...

...três pessoas.
três sentimentos ímpares.
e tudo para acabar em nada.


ou seja...
em meras ilusões...

bjbj

Zainer Araujo disse...

E será que tudo vai voltar a ser o que era mas um pouco diferente ? Suponho que seja um Carminha, meu não , dela. O Carma da Carminha.

Apesar de tantos meus, meus não...dela. O Bartô e o Rô sempre hão de reapacer seja meu ou dela na forma de Batistela ou Estela...humm...Estela..será que esse é o lance "diferente" que sempre vai ser igual..ihhh tô filosofando muito...vou pro blog da " A Senhora" agora.

opinião própria disse...

Bom texto. Gostei.

Mile Corrêa disse...

Adorei a história, André!
O final me surpreendeu um pouco,
e por isso mesmo gostei ainda mais! rs
Beijos

Mari disse...

Pois é, quantas vezes a gente deixa que um farol, ou uma insegurança nos afaste de algo novo...é o medo inconsciente que a gente tem...Pra depois ficar se perguntando: "e se"...
Para mim...seu texto deixa a oportunidade para pensar!
Um beijo

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